Mergulho no Lago Escuro

Foto: Lamontagne, 2010 (https://www.deviantart.com/mrlamontagne/art/dark-lake-179081263 )

Num mundo envolto pela eterna escuridão, onde as únicas tonalidades percebidas eram as cinzas e negras, havia algo que se destacava no meio de tudo aquilo e não era por ser mais brilhante. Mas justamente por ser ainda mais negro que a própria ausência de luz.

‘Não queria…’ Garok caminhava lentamente, escondido, por umas árvores retorcidas em meio ao líquido viscoso que inundava aquele pântano. ‘Mas sei que ele está próximo… e cansado do jeito que estou, não conseguiria enfrentá-lo. Hoje me contentarei em escapar pelo Lago Escuro.’

Aquele que sempre se via como caçador, temia por sua vida. Ele sabia dos perigos que se escondiam para aqueles que se aventuravam naqueles lagos. Garok estava reticente. Porém, sem escolhas.

Num mundo silencioso, quem ousava perturbar o ambiente só poderia estar fora de sua sanidade mental. ‘… ou buscando a morte…’ Garok estremeceu ao ouví-lo. Até mesmo as árvores pareceram se contorcer ainda mais, prevendo o que estava por vir. ‘Ainda não…’ O sangue de Garok fervia. ‘mas logo… muito em breve…’ esboçou um sorriso pesado antes de imergir silenciosamente na escuridão do lago.

Vulnerável, Garok sabia que precisava nadar da forma mais imperceptível possível se quisesse chegar à outra margem. Braçada a braçada, perturbando o mínimo a superfície daquela matéria líquida. Ele deixava que a fraca correnteza fizesse o trabalho. Seu objetivo era o de permanecer da forma mais imóvel possível e se fazer parecer um tronco podre de uma daquelas árvores retorcidas. Se alguém o visse naquela situação, certamente falaria que suas energias já estivessem exauridas. Porém, não é bem assim. Nadar daquela forma exigia um esforço físico e mental descomunal. Garok sabia mais do que ninguém que se tentasse se apressar poderia acordar alguma criatura das profundezas e ele não queria isso.

‘Mais um pouco…’ Garok aproximava-se da margem, já aliviado, quando sentiu suas pernas serem envolvidas por algo que pareciam tentáculos e ser puxado violentamente para o fundo daquele lago sombrio. Não deu tempo nem de pegar fôlego, dar uma última respirada antes de submergir.

Por puro instinto, Garok cravou suas garras nos tentáculos que o envolviam e se virou. ‘Não consigo ver, escutar ou farejar aqui embaixo, mas se for para morrer que seja face a face.’

Imóvel, parecia já ter desistido. Seu corpo, arqueado para trás, deixava que a criatura continuasse a puxá-lo. Ele não dava sinal algum de resistência. Mas a velocidade com que era puxado foi diminuindo e Garok foi soltando suas garras dos tentáculos como se já estivesse sem ar. Se tivesse sorte, chegaria já afogado na boca da criatura, assim não precisaria sentir os dentes dela perfurando e atravessando seu corpo. Mas sorte é um fator que não pode se contar muito naquele mundo.

A velocidade com que se movia cessou por uma fração de um instante e Garok, mesmo sem conseguir ver nada, entendeu que se encontrava dentro da boca da criatura. Tão rápido e furioso foi o movimento da criatura em fechar a boca, também foi o movimento de Garok em se colocar ereto e segurar a mandíbula superior da criatura acima da sua cabeça e fazer força com seus pés para que a mandíbula inferior não fosse de encontro com a superior. Garok estava completamente no interior da boca da criatura e se pudesse ver talvez a tivesse comparado com uma caverna cheia de dentes, sendo alguns do seu próprio tamanho.

Ele segurou e usou muito mais força do que imaginava ter para manter a boca da criatura aberta. Por sua vez, percebendo que seu alimento havia entrado numa posição errada na sua boca, a criatura resolveu parar de pressionar para abrir suas mandíbulas e então fazer com que elas finalmente se encontrassem.

Esse fora o momento que Garok aguardava. Assim que a criatura afrouxou um pouco o aperto, ele se desvencilhou dos tentáculos e se impulsionou para fora da bocarra, que fechou estrondosamente.

Muitos teriam nadado o mais rápido que pudessem em direção a margem, torcendo para que quando a criatura percebesse que não havia nada além de água em sua boca, já estivessem bem longe de seu alcance. Mas Garok não era como muitos, ele havia planejado uma surpresa para aquela afronta. Ele se deixou flutuar para a extremidade superior da face da criatura e, com um único golpe, rasgar seu único e grande olho escuro.

Garok voltou à superfície tranquilamente, feliz, sabia que a criatura não o perseguiria mais. Não esta. Ele sabia que uma criatura ferida tinha poucas chances de sobrevivência.

Agora na margem oposta da qual entrara, Garok se voltou e apertou seus olhos para tentar fazer com que sua visão atravessasse o lago. O que ele não sabia é que mesmo se houvessem três sóis iluminando aquele mundo, mesmo assim ele não conseguiria enxergar a outra margem. ‘Está tudo muito silencioso…’ Ele sabia que o demônio estava lá… seu demônio.

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